terça-feira, 17 de agosto de 2010

a última passeata

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... E era uma daquelas tardes em que não se sabe se o centro da cidade ferve pelo sol ou pelos passos.
A horda juvenil tropeçava pelas ruelas fazendo o turbilhão girar mais rápido do que o normal. Quem os via na rua não entendia o propósito de tal passeata. Seus olhos olhavam os vazios.
Na cabeça dos jovens andarilhos, o pensamento conflituoso sucumbia: Será que tal atitude valerá a pena? Não estarão aqui para ver o resultado. Fariam tal ato balançando na corda que, ao cair para esquerda, morria-se por ideais. Á direita, por descrença do mundo.
Quando todos se posicionaram na praça movimentada, atrapalhando a rotina dos demais, um carro com caixas de som circulou o local e estagnou do lado esquerdo dos manifestantes.
A cidade parou para assistir.
Do carro, saiu um rapaz, subiu no porta-mala com um microfone na mão. Sem demorar, se pronunciou:
- Boa tarde. Desculpe o transtorno no seu calmo dia, apesar de ser esta minha intenção.
Mais olhos pararam para assistir.
- Dirigindo até aqui, me perguntei muitas vezes se faria sentido essa nossa manifestação... Acho que sim. Depois do meu desgosto por tudo, não consigo me calar, e pretendo dar o último grito de rebeldia contra as banalizadas, cansativas e repetitivas injustiças feitas pelo mundo.
Houve uma pausa. Junto à lágrima no seu rosto, era notável a sua insatisfação por estar discursando sobre dores tão desconsideradas. Puxou uma arma de sua calça.
- Sem mais. Aqui, quem se pronunciou foi Alberto Silveira, 22 anos.
Apontou a arma para sua cabeça e espirrou gotículas de sangue pelo ar.
Naquele instante, o mundo se calou. Todos os mortais que estavam ali presentes visualizando a cena ficaram sem reação.
O jovem mais próximo do carro agarrou o microfone e não demorou a puxar uma arma de seu bolso.
- Silvio Teixeira, 17 anos.
Apagou-se.
Prosseguiram, Ana Marta de 28 anos, Luis Guilherme de 18, Frederico de 20, Gabriel, Ernesto, Fernanda, Luiza, Hélio, Anas, Beatrizes, Lucas e Caios dentre muitos outros mais..
Um após o outro, sem espaço de tempo para se pegar de volta o fôlego, os jovens se deitavam forçadamente no pavimento.
As pessoas berravam, corriam e choravam avistando tal chacina de suicidas juvenis.
Uns desistiram, outros soluçaram. Quase duas centenas de mortos em menos de meia hora.

Curiosamente, o final de tarde sujou o céu de vermelho. Depois houve outro final de tarde. E outro, e outro, e outro e outro..
O objetivo da passeata foi cumprido. A atenção foi ganha.
Depois da remoção dos corpos, depois da chuva lavar as ruas, depois de uma estátua ser erguida pelo movimento dos jovens inconformados, o centro da cidade nunca mais foi tão idêntico como sempre.


(Guilherme Reis Holanda)

Um comentário:

Gabriel Holanda disse...

Sem palavras brow... pesado, forte, agitante, contagiante e mais algumas coisas que também terminam com "ante" que não me ocorrem agora.